quinta-feira, 31 de maio de 2018

A Minha Poesia

A minha poesia calada,
a minha poesia perdida,
a minha poesia enjaulada,
a minha poesia esquecida,

a minha poesia julgada,
a minha poesia engolida,
a minha poesia negada,
a minha poesia iludida...

a minha poesia gritada,
a minha poesia adoecida,
a minha poesia diagnosticada!

a minha poesia enlouquecida,
a minha poesia sufocada,
a minha poesia... sentida.


segunda-feira, 28 de maio de 2018

RELVA VERDE

Relva verde, que cresce em tudo,

em mim, lá fora...

Os meus versos brotam na folha branca

com a mesma urgência

com que afloras.

No compasso flamenco

de violas estrangeiras,

sou eu mesmo um estrangeiro

dessas canções passageiras.

Sou o vento que parte,

invisível, e se faz ouvir.

Sou o vento que parte

o meu peito ao meio,

tocando-te a folhagem,

no porvir...

 

Relva verde,

sou a estiagem no fim de tarde...

Sou o vermelho do céu

no vinho tinto, que se esvai...

Sou o sal do mar, na onda que te invade,

e o sal da lágrima, que se despe e cai.

Sou o soluço mudo,

o acorde mais agudo

do fado rasgado – 

feito a folha que descarto

deflorada por meus versos...

Enquanto meus olhos,

minhas reticências, 

minhas entrelinhas...

dizem mais e mais.

 

Relve verde,

sou um poeta arruinado...

Sou o copo quebrado

depois de apreciado

o mais saboroso vinho.

Sou a curva no caminho,

o vento que uiva porque parte.

Sou a solidão do mundo

que cruzou teu absurdo,

e a dor da impossibilidade.

Quando, enfim, respirares fundo...

Oh! Relva verde, num segundo,

Terei partido, num fim de tarde.

Mas serei sempre o vento em teus cabelos

ao pôr-do-sol que te arde.



quinta-feira, 24 de maio de 2018

Terra Lusa de Minhas Ruínas - II

Ruiu a muralha de meu império,
ruiu a certeza de meu caminho,
ruiu tudo o que eu levava a sério,
num deletério gole de vinho.

Ruiu a vela de meus poemas -
restou-me a nau ancorada ao cais.
Ruiu tudo o que me valeu a pena,
e meus poemas já não importam mais.

Sentado à Boca do Inferno,
a retidão do horizonte caçoa
desse poeta torto, ante o mar.

Na imensidão do caderno,
os meus versos se perdem, à toa,
no fardo de um eterno rimar.


segunda-feira, 21 de maio de 2018

Terra Lusa de Minhas Ruínas


Terra Lusa de minhas raízes,
hoje trazes as lágrimas ao Tejo,
onde o vento sopra, de minhas matizes,
a nau...

Terra que me acolhe com um beijo,
sou um poeta partido ao meio:
além-mar está tudo quanto meu passado encerra -
uma até que boa vida,
uma mãe que me chora a partida,
a noiva que saudosa me espera...

Mas aqui, ó Terra Lusa,
teus fulgores cantam minhas ânsias em Fados!
Tuas praças, cafés e Chiados
são o berço de meus dolorosos versos...

As amadas moças lusitanas,
das cantigas antigas, das recentes Alfamas,
não compõem o sacro traço dos azulejos...

- mas o sol! Quanto me põe admirado!
[talvez seja o vinho, o tabaco, o Fado...]
Aqui sonho a poesia do impossível...

E acordo.

Lágrima lusa que me fascina,
Ah! Portugal... corto na carne:
Terra de ladeiras e de [minhas] ruínas.

sábado, 19 de maio de 2018

Domingo Sangrento

As estranhas pessoas passam
Nauseadas ante os muros da cidade.
Neles, olhos, bocas e cicatrizes
se fecham e se abrem à realidade.

A ressaca pintou-se diferente
em cada esquina, sob o rótulo da paz.
Paz que não encontro no que vejo,
beijo de pólvora que não satisfaz.

O domingo de sol com pacifistas
ensanguentou-se com a marcha dos soldados.
As orações (segregadas) em vigília
não livraram os desesperados.

Deus nunca coube na poesia
dos combatentes separados pelos muros.
O ressentimento resta nesses dias
De memórias e presentes absurdos.









quarta-feira, 16 de maio de 2018

Quedas de Outono

Caiu de repente a tarde no Sul do Mundo
Caiu na caneca Londrina o londrino chá
Caiu na garganta todo o sabor profundo
E as folhas caem em busca do chão beijar.

Caiu a água saudosa que vem do céu
Caiu estiagem que tanto insistiu ficar
Caiu na pele o toque molhado do véu
E a chuva beijando o solo ouvi chegar.

Caiu o calor do ar que me alcança a pele
Caiu a angustia que inspirou meu calar
Caiu a energia amarga que me repele
Só não caíram os espinhos, posso cantar:

Que minha dor
Não caiu como as folhas
Que vejo no chão
Não caiu minha dor
Como o calor do verão...







domingo, 13 de maio de 2018

Poema-anoitecer

Nos meus rascunhos escondidos
te desenho em papel e miragem:
És primeiro a relva verde
que dança ao vento e pende,
em sedutora folhagem.

Depois os meus traços
te rabiscam fruto proibido:
és o verso nunca escrito
num jardim abrigado
dos pecados da cidade.

Pouco a pouco a forma
de tuas curvas se desenham
nas nuvens de um fim de tarde.
O meu rascunho em branco
é a lua cheia que te arde.

Encontro, enfim, ao anoitecer,
o poema em teus lábios 
 desenhando a versão final...
que vai brotando em minha pele -
qual relva verde em meu quintal.


sábado, 12 de maio de 2018

Poemas de passagem


Ta vendo aquele trem?
É um verso meu em viagem.
De estação em estação,
Do inverno ao verão,
Meus poemas viajantes 
Pedem passagem.

[Olha pela janela,
As árvores da primavera 
Hoje estão a dançar.
No seu balé infinito
O meu poema é um giro -
Doce pólen a provar]

Ta vendo aquela torre?
O seu relógio é um ditador.
No tic-tac, feito marcha,
Me rouba um verso que ele acha
Não ser meu, 
Mas de um adeus...

Pois o trem já vai-se embora,
E eu viajo, pelas horas,
Enquanto as folhas caem.
Meu poema já se foi,
Da estação dos versos meus
Das entrelinhas que se esvaem.


sexta-feira, 11 de maio de 2018

Olhos de Esperança


A estrada passa diante dos olhos
Com incontáveis tons de verde
Que me lembram dos olhos dela...
Mas dentre tanta variação de verde
Nenhum iguala-se ao daqueles olhos
Uma cor rara e só, lembro-me agora, só.
Então tudo o que vejo fica nublado
Nestes meus olhos agora marejados
E na secura da estiagem
Do meu coração cansado, chove.
No azul acima do verde, cinza!
As cartas voltaram à mesa
Mas levo uma comigo!
Voltaram as nuvens ao céu
De um verde, esquecer não consigo!
Mesmo fechado o tempo
Para todo o verde conhecido
Tem um que não me abandona
Que sempre levo comigo...




quarta-feira, 9 de maio de 2018

Antes de Lagartear ao Sol


O Sol está indo embora cada dia mais cedo
A brisa que chega depois de um verão ameno
Em um outono que veio também ameno
Vai ficando a cada dia um pouco mais fria...

O Sol deixou de brilhar na Vila Casoni e
Mergulhou no buracão do centro social urbano.
Lentamente sua ausência escurece Londrina.
“Ele foi pro Japão...”, explicou-me a menininha...

Mas depois da noite fresca, o Sol voltará
Trará de volta a vontade de ver novas nuvens
Que nos livrem da poeira da estiagem longa,
Que nos traga as noites frescas de Outono.

Só pra lembrar que o Sol chegará de novo,
Trazendo calor depois de uma noite fria,
Convidando para o chimarrão da manhã,
Com a ponkã eterna do lagartear de Outono...

quinta-feira, 3 de maio de 2018

Duma

Eu queria que meus versos rimassem 
a dor perene de um amor proibido
com a excitação da juventude eterna
dos loucos amantes que morrem aos vinte.

Eu queria que as flores no caminho
cheirassem à primavera de teus seios,
e a lua me viesse tocar à face
nos teu beijos de boa noite, longínquos.

Eu queria que o sol me nutrisse a alma,
que o céu  me consumisse a calma,
que as paixões me fossem urgentes,
como o ar que eu respiro.

Mas o beijo que vejo é o do morteiro com a terra
onde o homem escolheu esgotar a poesia.
Lá fora, não encontro uma rima pra guerra,
e outra arma química sufocou o amor.


Duma, Abril de 2018.

terça-feira, 1 de maio de 2018

Pecado Original

A verdade da minha poesia
tem o pecado da excomunhão.
Não há pureza em meus versos
que o fogo do inferno não sacrifique.
Não há inocência disfarçada
em metáforas românticas.
[Minhas estrelas são decadentes - 
tragédias anunciadas,
meteóros em combustão]

A minha poesia não tem as memórias
da doce infância dos outros poetas.
A minha juventude violada
é a reticência entre meus versos...
As minhas estrofes escondem as preces
do apelo vulnerável à casa cristã:
depois a perda da fé...
a orfandade no seio do lar...
o juízo final nos olhos de meu pai.

Deus foi meu algoz,
e a serpente me libertou do paraíso.
A minha poesia é a confissão
da humanidade de Cristo.
É a dor da carne, da pele, das chagas,
sangrando e para sempre marcadas,
abertas, mas invisíveis.

A minha poesia...
é o conhecimento
que cedeu à tentação.



Por-do-Sol na Sunbridge Road

Às cinco da tarde  de um dia amarelo, a liberdade míngua à sete chaves no claustro de um apartamento - mas a lua da tarde, dona de ...