terça-feira, 10 de julho de 2018

A mulher de Susyia

No horizonte de algum lugar,
entre o nada e o fim do mundo,
há uma mulher sem nome,
sob um sol que tudo queima.

Ela tem as mãos vazias,
e cobre os olhos pra enxergar,
no horizonte de algum lugar,
o que ninguém mais vê.

Na terra onde o sol 
traz a morte, não a vida,
onde a pólvora beija o chão,
em rotineira despedida;

Na terra onde o ódio 
transformou a poesia -
de versos pra sentenças 
de morte e rebeldia...

Na terra onde o lar
é um nome numa pedra,
e crianças são educadas,
sem livros, sobre a guerra;

Na terra onde mulheres
parem certidões de óbito
de vidas destinadas
a ceifa pelo ódio...

Uma mulher sem nome caminha.
E no horizonte desse lugar -
a beira do fim do mundo -
ela veste... verde.

[Cubra os olhos, querida,
e me ensina a tua sina
que meus versos perecíveis
não conseguem descrever!]

No horizonte de Susyia,
só o seu hijab é verde:
a esperança, que eu não via,
cobre o seu corpo inteiro.


sábado, 7 de julho de 2018

Realejo in Verso (e prosa)


E não é que me viria a sorte
Num banco de um vilarejo?
Abraço que selou a morte
Do que outrora era desejo!

Era sete do sete e agora
Vejo como foi perfeito
Aquele abraço de outrora
Que sinto ainda aqui no peito

Destemido poestizo a história
Em prosa toco um realejo
E no jardim dessas memórias

Revivo o trágico desejo
Parece-me que passa agora
Tudo que sinto e não vejo



quinta-feira, 5 de julho de 2018

Ferida do Oriente

Eu tenho uma ferida aberta 
do tamanho do Mar da Galiléia:
ela é um espelho de águas turvas,
tão profundas quanto o ponto 
mais baixo da Terra.

Eu tenho uma ferida ardendo 
qual meio-dia no Mar Morto -
ela queima ao sol veemente, 
junto às cinzas já sem nome  
que só em morte unem os povos.

Eu tenho uma ferida aberta 
que arrancou parte de mim -
como um povo sem território, 
como uma terra sem abrigo,
como uma religião sem deus…

[como uma bomba lançada 
sobre flores inúteis 
que perfumam com sangue 
os espinhos da perda…

como a poesia irregular
que esquece rima e métrica 
e confessa a sua falha
em vencer a verdade]

A minha ferida abriga
a minha dor e as alheias.
Pois as minhas raízes 
sangram em outro chão, 
mas já não têm pátria, 

e parte de mim se refugia
junto a um muro invisível 
onde a paz me bate à cara
- em tons de cinza - feito pedra 
de utopias sem valor.

Eu tenho uma ferida em mim
que se recusa em fechar:
como se acordos existissem
para serem violados
pela política estupradora da guerra.

A minha ferida, contudo...
assim como o Mar da Galiléia, 
é doce, e não salgada:
apesar de cortar-me o ao meio
[a Palestina de minha alma] 

é ela que se ocupa 
em manter-me vivo! -
como a fértil memória ardente
que cauteriza despedidas
no por-do-sol dum fim de tarde.

E ai! Pudera eu, poeta do absurdo,
abrigar a dor do mundo
nos meus versos transformados
em pátria sem fronteiras
a todo refugiado…

Ai! Pudera eu, 
colher a rosa e os espinhos
esmagados no caminho
que a farda desviou
dos pés de algum soldado...

A minha ferida já não mata:
[e o que pior seria?] 
jorra sangue em vida,
torturante e incontida,
Da minha ferida brota… o amor.

Por-do-Sol na Sunbridge Road

Às cinco da tarde  de um dia amarelo, a liberdade míngua à sete chaves no claustro de um apartamento - mas a lua da tarde, dona de ...